Instantes...



Há coisas que nos marcam, e há também aquelas pessoas que têm o dom de nos alterar a vida toda, para sempre...

É o meu caso. E desde que me cruzei com esta família, já nada mais foi igual e nunca será.

Na 5ª feira passada fui ver a Exposição "Instantes", do José Pinto Ribeiro.

Já conhecia o trabalho e sabia que era excelente. Aliás, tudo o que o Zé faz é muito bom, senão ele prefere não fazer. E acho que foi o seu perfeccionismo que me contagiou desde criança e que faz com que eu seja profissionalmente como sou.

O trabalho é mesmo brilhante, e pode ser visitado em http://www.josepintoribeiro.com/.

O que faz do José "one of a kind", tal como o seu pai. Decerto que o Tio Alberto iria ficar muito, muito orgulhoso deste seu filho e, só por isso, a história tem que ser contada aqui, mais uma vez.

Eu própria me sinto orgulhosa de ter um amigo assim, de fazer um bocadinho "parte" desta família.

É mesmo muito gratificante e emocionante ouvir meninas, que tinham na altura menos de 5 anos e que hoje são já mulheres e mães dizerem-me que fui a melhor secretária que o pai alguma vez já teve.

Obrigada por tudo e, mais uma vez, parabéns!


Tinha eu então 16 anos...era uma miúda gira - diziam - acabada de sair do liceu, com o coração cheio de esperanças e a cabeça a transbordar de projectos e objectivos. Tinha terminado o 12º com aproveitamento e distinção. Estudara com bolsa de estudos desde o 10º ano, sem nunca chumbar. Falava um inglês irrepreensível e francês com desembaraço.

Mas a maior ambição era a de ser jornalista, fotógrafa de reportagem. Ir para a guerra, dizia. Ir para a guerra fotografar e escrever sobre os seus horrores, alertar o mundo. Já nessa época gostava de escrever e versejar. O diário já não era suficiente e precisava de escrever coisas que o mundo lesse.

Mas contingências familiares teimavam em não me abrir a porta da Faculdade. Era preciso ser auto-suficiente...

E nessa cabeça cheia de projectos, instalou-se a tristeza e a desilusão.

Num belo dia de sol, em que os meus projectos e objectivos estavam já inundados pelas lágrimas e prestes a afundar-se, recebo um telefonema de um familiar muito chegado que me dizia “queres ir trabalhar com os filhos do meu patrão?, queres ir para um escritório?”.

Conhecia as pessoas, sabia quem eram e elas conheciam-me a mim.
Sabia que o negócio em questão tinha a ver com faianças e cerâmicas. Era arte! Arte que eu conhecia e que me passava pelas mãos diariamente na cozinha da minha mãe. Tinha tudo a ver comigo!

Certa de que só assim conseguiria mais tarde realizar o meu tão ambicionado sonho, anui de imediato a conversar sobre o assunto.

Era mesmo muito novinha quando fiz essa entrevista. Mal tinha idade para trabalhar e nem sequer estava colectada!

Tinha bastante experiência em dactilografia, que adquirira nos tempos de escola (cheguei a tirar um curso) e era muito rápida a escrever. Já havia executado trabalhos em regime temporário nessa profissão, para duas multinacionais americanas.

Fui à entrevista a pensar na cerâmica, nos desenhos e fotografias com os quais passaria a ter um contacto diário. Foi-me oferecido o cargo de secretária nesse escritório, onde passaria a funcionar um departamento de informática que, ainda embrionário, já começava a despontar para um negócio de sucesso, que foi durante muitos anos.

Enfim, uma empresa sólida para a época, que me iria permitir ganhar dinheiro e, quem sabe, mais tarde poder estudar fotografia.

E acabei por ficar com o emprego, contente com o belíssimo ordenado que me ofereciam (25.000$00). Ainda tenho o meu primeiro recibo.

Recordo-me que nesse mesmo dia a tristeza dissipou-se definitivamente e, a somar aos projectos que tinha, instalou-se um novo objectivo: aprender a ser uma boa empregada de escritório, construir uma carreira profissional.

Acabei por trabalhar para esta família ao longo de muitos e muitos anos, nos vários negócios que possuia. Talvez os melhores e mais compensadores anos da minha vida. Os anos em que me “fiz” como pessoa e pelos quais estou muito grata.

Pela mão do Tio Alberto, que passou a ser para mim uma referência, melhorei os meus conhecimentos como empregada de escritório, o meu inglês, a minha forma de escrita, e muito mais. Pela mão dos seus filhos, aprendi também estes e muitos outros valores, valores esses que são, presentemente, o sustentáculo da minha vida.

E cresci. Cresci por fora, mas em muito cresci por dentro sempre alimentada pelos ensinamentos que me eram dados diariamente e que eu absorvia avidamente.

Durante os anos em que trabalhei com os filhos do Tio Alberto, a sua presença, mesmo já depois de deixar de exercer a sua actividade, era praticamente diária.

Conversávamos muito. E conversávamos sobre tudo. Sobre a vida, sobre o trabalho, sobre a SECLA. Ele ensinava-me muita coisa... contava-me o esforço que tivera que fazer no início, o quanto tinha custado construir a fábrica. Falava-me das dificuldades por que tinha passado e da forma como as havia resolvido. Era uma pessoa muito simples, inteligente, culta, algo complexa no seu interior. Era muito exigente porque também o era consigo próprio. Era, acima de tudo, muito boa pessoa e de grande coração.

Fazia desenhos e fotografias magníficas que acabavam por se transformar em peças de cerâmica, serviços de jantar, postos à disposição do mundo.

Adorava ouvi-lo falar e ainda hoje me lembro do timbre da sua voz.

Era um homem com H maiúsculo. Reconheço a herança de muitas das suas qualidades nos seus filhos, sobretudo na dinâmica e na força interior que possuem para levar a cabo os seus projectos e serem, presentemente, os empresários de sucesso que são.

Um dia, o Tio Alberto convidou-me para almoçar, como fazia todas as semanas à quinta-feira, e disse-me:

“Na vida, um Homem tem que fazer três coisas: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Ora, eu já fiz as duas mais importantes, mas falta-me a terceira. E já estou velho para conseguir escrever esse livro sozinho. E os meus filhos têm a sua vida, que os ocupa o bastante. Resta-me pedir-lhe que me ajude a conquistar esse terceiro objectivo, e assim eu serei feliz, pois então já terei feito tudo o que um homem tem que fazer na vida”.

E assim foi. Depois de alguns problemas de saúde que lhe roubaram algumas capacidades, o Tio Alberto trazia todas as quintas feiras os manuscritos do seu livro, o livro sobre a SECLA, a SUA fábrica. Entre os manuscritos, os resumos das reuniões com a gráfica, os exemplares das fotografias das peças que iria colocar no livro, para eu ver e dar a minha opinião também.

Foram alguns meses de esforço, sobretudo para o Tio Alberto. Ele passava as ideias para o papel, eu passava para o computador, revíamos os erros, a forma de escrita, as frases e as falhas, entre almoços e reuniões onde ele me debitava mais ensinamentos.

Era a obra da vida dele, e para mim estava a ser um privilégio escrevê-la...

No final, tirei uma última impressão para papel. Fomos almoçar e eu disse-lhe: “aqui tem o seu livro, está pronta a minha parte!” E ele esboçou um largo sorriso que jamais esquecerei enquanto viver.

Depois, todo o resto da publicação ficou ao seu encargo e ao dos seus filhos. E o livro foi publicado. “A Nova Cerâmica das Caldas da Rainha, de Alberto Pinto Ribeiro”. Ligaram-me de manhã para o escritório. O livro estava já à venda na Livraria Bertrand do Chiado.

Era noite. A sala estava cheia de gente, estavam presentes quase todos os órgãos de comunicação social, incluindo televisões. Decorria o maior e mais importante leilão realizado em Portugal. Vendia-se a biblioteca pessoal do Rei D. Carlos I.

O Leiloeiro, filho mais novo do Tio Alberto, apregoava os lances. O público não parava de licitar. Numa mesa ao lado, estava eu, sentada ao telefone a transcrever os lances aos Clientes que ligavam do estrangeiro e que queriam avidamente comprar...

Alguém se aproximou da mesa...não recordo quem, e fez-me um sinal para tapar o bocal do telefone. E sussurrou-me ao ouvido: “Peço desculpa mas tenho que lhe dizer uma coisa...o Senhor Pinto Ribeiro faleceu. Por favor, não chore agora e não deixe que o João perceba”. E eu, engolindo em seco, limpei com a ponta do dedo a primeira lágrima que teimou em saltar e continuei a apregoar. E só no final dessa sessão souberam todos da notícia e eu pude chorar em paz.

Já não era novo...mas foi uma perda irreparável. Naquele preciso momento, tinha para mim morrido mais que um pai, um melhor amigo, um mentor.

Todos os dias, enquanto trabalho, ora a pegar num envelope, ora a escrever uma carta, vêm-me à cabeça algumas coisas que me dizia. Às vezes, uma lágrima teimosa insiste em saltar-me do olho. Frequentemente recordo as histórias da SECLA, a SUA fábrica.

“A Nova Cerâmica das Caldas da Rainha” está bem no centro da minha sala, para que todos vejam, me perguntem o que é, e eu possa falar do Tio Alberto.

Estou certa que morreu feliz. Mas tenho muitas saudades da sua presença.

Jamais esquecerei tudo o que fez por mim, assim como estarei sempre grata aos seus filhos que sempre me trataram como se da família fosse e que tanto investiram para que eu hoje pudesse escrever estas linhas, desta forma.

Sem os valores que me transmitiram o João e a Ana, não seria a mulher e a mãe que sou, se não fosse o Zé, de quem gosto especialmente, jamais saberia tocar num computador. E, apesar da distância, reconheço no Luis fortes semelhanças com o Pai.

Espero conseguir transmitir todos estes valores aos meus filhos, da forma sempre tão cuidada e tão amiga com que mos transmitiram a mim.

A Todos um muito obrigada, por tudo. Sobretudo por me terem dado aquela oportunidade aos 16 anos.

Não existe nenhuma Rua Alberto Pinto Ribeiro. Mas estou certa que aqui, na maior biblioteca do Mundo que é a Internet, existirá brevemente a página do seu Livro (Zé, vamos tratar disto, por favor, eu ajudo!).

Um grande bem haja!

Comentários

Anónimo disse…
Paulinha
Fiquei emocionado!!! e sem palavras.
Um grande beijo
Jose PR
Happy Belly disse…
;(
Que lindo!!!!!

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