Um presente...do outro lado! (Parte III)

E foi seguindo as indicações da voz, acompanhada pelos murmúrios, que lhe indicava um “ali” incerto e impreciso.
Mesmo assim foi descendo a ladeira entre constantes “onde?” “aqui?” ao que a voz lhe respondia “ali”.
Assim, seria difícil determinar o local! E agora já estava desesperada pois algo lhe dizia que não iria conseguir sair dali em paz de espírito, sem atender ao pedido. E a campa já estava limpa há mais de 10 minutos que andava no aqui-ali com a voz. Até a senhora de preto já tinha seguido caminho e o talhão estava agora completamente vazio ao sabor do vento e dos raios de sol.
Terminadas as fileiras, mesmo onde se iniciam as gavetas de parede, já de cabeça perdida exclamou:
- olha…eu não sei o que queres. Queres uma vela, eu tenho aqui e acendo, mas nunca é onde proponho. Ou dizes o sítio ou vou ter que acender num qualquer…hummm?

Sem resposta…Só o murmúrio de fundo.
- Então?

Sem qualquer resposta de novo.
Só quando sentiu o telefone vibrar no bolso esquerdo é que “despertou” para a realidade. Era a mãe…furiosa por sinal…
- Olha lá o que é que andas a fazer? Já saíste daqui há mais de 3 horas! Isso fazia-se em meia hora. Que andas a fazer?
- Oh!...mãe, desculpa…nem dei pelo tempo passar…estive aqui …errr…estive aqui sentada…Mas vou já embora.
Tinham passado três horas! TRÊS HORAS!!! Como é que era possível se só tinha limpo a campa e tinha descido para acender a dita vela?
Perscrutou com os olhos um local possível para acender a vela num dos gavetões de parede. Havia um aberto. Espreito. Nada lá dentro excepto umas minúsculas teias de aranha. Tirou a vela do saco e acendeu-a. Por minutos, esqueceu a voz, o burburinho, o vento frio. Apenas pensava nas três horas que demorara. Três horas… Não podia ser! Voltou a tirar o telemóvel do bolso e olhou para o relógio. A mãe tinha razão. Tinham passado cerca de três horas!
Pegou cautelosamente na vela acesa e colocou-a dentro desse gavetão, pensando para si que era um bom sítio para não se apagar.
Assim que colocou a vela lá dentro, esta apagou-se de imediato. Tirou os fósforos e acendeu-a de novo. Sem sucesso. E repetidamente mais umas três vezes. Ficou por último uma luzinha trémula e pequenina que teimava em desfalecer.
- Epá não… Não te apagues agora. Tenho que ir.
E a luz quase se escoava. Voltou a pegar nos fósforos implorando para que a vela não se apagasse alto. Mas sem sucesso.
Já zangada e com pressa, disse alto:
- Olha lá, queres a vela ou não queres? Então importas-te de fazer manter a chama? E acendeu de novo a vela.
Esperou escassos segundo e viu que a chama permanecia.
- Boa!
Ocorreu-lhe por instantes a sensação de que tudo nisto era ridículo. Um arrepio acompanhou este pensamento. Disse alto:
- Agora tenho que ir.
E com passadas largas e entre “com-licenças”, subiu a fileira de campas em direcção ao muro.
Reparou que o vento tinha parado de soprar e o sol parecia mas forte, mais quente. Mas o murmúrio das vozes mantinha-se igual.
E foi assim até chegar ao início do talhão.
Já do muro disse alto:
- Adeus, pai.
E começou a subir a ladeira, tentando chamar a voz:
- D. Encarnação, D. Encarnação…já está.
Nada. O murmúrio foi-se desvanecendo á medida que subia.
Reparou que do lado esquerdo havia uma lápide desgastada pelo tempo, onde tinham fixado lateralmente uma placa de metal, para evitar o desmoronamento. Estremeceu quando ao passar uma rajada de vento fez levantar a placa e produziu um pequeno estrondo.
E apressou o passo.
Não se via ninguém excepto próximo do portão principal.
Saiu e subiu a rua em passo acelerado. Bateu à porta e a mãe abriu.
Estava a ralhar com ela por ter demorado tanto, mas nem a estava a ouvir.
Não se conseguia desligar do que tinha acontecido.
Sentou-se na cadeira, a ouvi-la. Só a olhar para ela.
A mãe parou de ralhar de repente e olhou para ela e disse-lhe:
- Não estás bem? Hummm…Aí há coisa! Porque é que te demoraste tanto.
E ela não teve coragem de mentir. E contou à mãe o que se tinha passado, certa de que mais uma vez a mãe lhe iria dizer que estava farta dessas coisas desde que ela era pequena, que era doida, que devia ir à missa. Bah!
Contou tudo.
E para seu espanto, a expressão do rosto da mãe crispou-se. E a mãe puxou uma cadeira. Sentou-se e disse.
- Então, terei que te contar uma coisa…
(continua)

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