Bom dia



Nem acordei especialmente mal disposta,
Como é hábito.
Ao espelho, as olheiras do costume
E a cara, excepcionalmente menos enjoada,
Prenunciavam um bom dia.
(Ou pelo menos, um dia sem grandes percalços ou desgraças).
Olhando-me, surge no espelho uma palavra,
Como é hábito.
Os espelhos em que me olho reflectem-me sempre escrita,
Linear.
Linear, de linha,
Que não sou dada a exageros ou encómios corporais,
(Mesmo que só descritos).
Sento-me ao computador com os pés em cima da cadeira
Os pés segurando o cu, ou vice-versa,
Como é hábito.
Apesar de algumas quedas e nódoas negras
Sempre foi esta a minha maneira de sentar.
Rapidamente as palavras sujam o branco do monitor.
Mais velozes que os gestos
As palavras exigem de mim toda a atenção
E uma concentração incompatível
Com o telefone que toca,
E o movimento que faço para o agarrar
E me faz estatelar da cadeira,
E penso pela primeira vez,
Talvez não vá ser assim tão bom o dia...
Visto as calças, escrevendo.
Visto a blusa, escrevendo.
E entre o calçar de um sapato e outro
Consigo colocar no texto o ponto final.
Saio a correr atrasada
Já sem tempo,
Já sem horas,
Em cima da hora bebo um café que me engasga
E se entorna no balcão
E me suja a mala,
E me suja as calças,
E uma blusa promoção Springfield(Palavra que não rima com nada)
Excepto com roupa suja,
Molhada,
Eu atrasada,
Mal humorada,
Pensando desanimada,
Porque raio achei, que a merda do dia me ia correr bem?

in Encandescente

Comentários

Anónimo disse…
Como odeio banalidades!

Eu, que sou mais banal e vulgar que a mais banal das mulheres.
Eu, que sou tão comum que nem preciso olhar-me ao espelho,
Igual que sou a tantas outras mulheres,
Com que me cruzo e das quais não me distingo.
Eu odeio a banalidade!
Odeio as frases feitas de quem pergunta:
- Olá como está? E nem quer saber.
Odeio os bons dias, as boas tardes, as boas noites,
Ditos sem pensar,
Ou a pensar em coisa nenhuma,
Ou a pensar noutra coisa qualquer que não o desejo,
Que o dia, a tarde, ou a noite nos corram bem e sejam bons.
Eu odeio frases feitas!
Odeio as vizinhas à janela,
As amigas e amigos nos cafés, nos bares, nos autocarros,
Com vidas tão fúteis e pequeninas que dissecam as dos outros,
Que cortam a casaca dos melhores amigos pedaço a pedaço
Achando que os amigos são os melhores amigos, e nunca cortariam as deles.
Mas cortam!
E são más-línguas, maus caracteres, sem carácter!
Eu odeio vizinhas a bisbilhotar à janela!
E as pessoas que passam?
E a multidão anónima que percorre as ruas em zig-zag evitando pedintes e mãos que se estendem?
E que colam a mala ao corpo achando que ser pobre é ser ladrão.
E se aconchegam na roupa comprada na zara, ou nos mercados de rua,
Mas muito sua!
E que são caridosos, piedosos, apiedados,
Compreensivos com a desgraça alheia se não tiverem de dar um cêntimo
E a caridade for só da boca para fora!
Eu odeio a caridade hipócrita da multidão!
E os gajos?
Os gajos mesmo gajos!
Os gajos na verdadeira acepção da palavra!
Os que se sentam em esplanadas ou se encostam em montras esperando as mulheres,
As deles,
E discretos apreciam pernas e cus das outras,
As que passam.
E lambem os beiços, e coçam os tomates e pensam ou dizem:
- Esta gaja é muita boa!
Como odeio a frase” esta gaja é muita boa”!
Dita por gajos que em casa têm mulheres que nem olham.
E às quais nem falam.
E que na cama despacham sexo e mulher,
Despejando o desejo das gajas boas que comeram com os olhos.
Na rua.
Ah! Como eu odeio estes gajos!
E as gajas?
As santinhas, as pudicas, as que têm sempre na ponta da língua um:
Ai credo, um julgamento, uma condenação.
As que são contra o aborto, contra a pílula, contra a educação sexual,
Contra tudo que seja sexo!
Escrito, pintado, feito ou falado.
E quando têm “maus pensamentos” correm às sacristias:
- Sr. Padre sonhei que estava a fazer sexo oral, confessam.
Como se sexo oral fosse um pecado capital,
Esquecendo que só o peixe morre pela boca.
E lavam as mãos nas pias,
E cumprem todas as penitências,
Mas falam do sexo da vizinha que é uma descarada.
E são donas de verdades absolutas.
E nunca têm dúvidas.
E só dizem…
B a n a l i d a d e s!
Ah! Como odeio falsas santinhas e ratas de sacristia!
E eu?
Eu que sou banal, normal, vulgar, mas odeio a vulgaridade,
Eu que mando à merda quem me chateia
Eu que escrevo asneiras se me dá na gana,
E que para um sacana sou sacana e meia!
Eu odeio sacanas!
Aqueles de falas mansas e que parecem santos,
E que dão a roupa toda e pelos outros ficam em pêlo,
Mas em casa vão ao pêlo às mulheres,
E deixam-nas:
Negras de pancada,
Negras de dor,
Negras de pavor.
Ah …Se pudesse dava um tiro nos cornos desses sacanas!
E de outros:
Os abusadores, os ladrões de inocências,
Os que roubam infâncias e semeiam pesadelos.
Esses castrava-os a todos!
Os do passado, do presente e do futuro,
Já que a justiça não castra senão a esperança de justiça!

Eu, que sou mais banal e vulgar que a mais banal das mulheres,
Eu, que por fora ninguém distingue ou olha duas vezes ao passar.
Odeio banalidades!


Lindona axei ke ias gostar
Bjokas

Kem_diria

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